04/04/2024

Tribunal derruba liminar que garantia benefício tributário do Perse até 2027

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
O desembargador Carlos Eduardo Delgado, da 3ª Turma do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região (TRF-3), cassou uma liminar e manteve a revogação
prevista para o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos
(Perse) para cerca de quatro mil empresas de São Paulo. Ele entendeu que não
há ilegalidades na Medida Provisória (MP) nº 1.202, de 2023, que cancelou a
isenção tributária estabelecida para os setores de eventos e turismo.
Na visão dele, não há direito adquirido para essas companhias porque a isenção
dada pelo programa é não onerosa, portanto, o benefício fiscal pode ser
revogado a qualquer momento via MP. “Como isenção simples, não há
qualquer sentido em se falar em hipotético direito adquirido de usufruir dos
benefícios do Perse pelo prazo quinquenal em detrimento da nova legislação,
que regularmente a revogou”, diz o desembargador.
Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), existem 37 ações
sobre esse assunto no TRF-3. Esse é o quinto processo julgado, todos de forma
favorável à União. Na primeira instância, apenas na capital, em São Paulo, são
126 processos em tramitação. A única liminar favorável aos contribuintes, agora
analisada, foi obtida pelo Sindicato das Empresas de Turismo do Estado de São
Paulo (Sindetur), segundo o procurador Andrei Aguiar, da Fazenda Nacional.
Para Aguiar, a decisão reforça uma jurisprudência que está sendo formada a
favor da União. “Com essa decisão e as outras monocráticas dos
desembargadores estão chancelando o entendimento de que é possível a
revogação através da MP”, afirma. Ele ressalta ainda que não foi exigida
contrapartida para obter os benefícios do Perse, argumento que reforça a tese
de que é uma isenção não onerosa. “Não foi exigido contrapartida, a empresa
não teve nenhum gasto, apenas inscrição no Cadastur [Cadastro de Prestadores
de Serviços Turísticos].”
Na decisão, o desembargador Delgado suspendeu o mandado de segurança
coletivo menos de um mês após a tutela ter sido concedida pela juíza federal
Silvia Figueiredo Marques, 26ª Vara Cível Federal de São Paulo, no dia 11 de
março. Empresas associadas ao Sindetur haviam conseguido permanecer com
os benefícios fiscais do Perse até março de 2027, prazo inicial estipulado pela
Lei nº 14.148/2021, que criou o programa.
O Perse zerou a alíquota do Imposto de Renda (IRPJ), da CSLL e do PIS e
Cofins por cinco anos para empresas de turismo e segmentos correlatos, por
terem sido as mais afetadas pela pandemia da covid-19. No fim de 2023, porém,
a MP nº 1.202 revogou essa isenção para alcançar o equilíbrio fiscal neste ano -
por ora, contudo, o texto ainda não está valendo. Segundo o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, o Perse provocou uma renúncia fiscal de R$ 17
bilhões a R$ 32 bilhões em 2023.
Contribuintes entendem que a medida é ilegal, pois eles deveriam continuar
com a alíquota zero do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins até o prazo definido pela lei,
isto é, até 2027. A juíza federal havia acatado a tese em nome dos princípios da
“não surpresa do contribuinte e da boa-fé da administração pública” (processo
nº 5005016-18.2024.4.03.6100).
O desembargador Delgado, porém, acatou a tese da União no agravo de
instrumento. Ele citou o artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN) e
diferenciou dois tipos de isenção, as onerosas e simples. Enquanto as onerosas
são dadas com prazo definido, requisitos e não podem ser revogadas, as simples
podem ser revogadas a qualquer tempo, desde que respeitado o princípio da
anterioridade.
Para o desembargador, o tipo de isenção do Perse é simples, pois não houve
qualquer ônus às empresas, apenas a realização de um cadastro em que atesta
que elas são do ramo de eventos - algo que é apenas um requisito legal para
obtenção das benesses fiscais, e não uma condição, como defendem as
empresas.
“Não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a
fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de
violação do artigo 178 do CTN”, diz o desembargador. Ele também afastou a
aplicação da Súmula n° 544 do Supremo Tribunal Federal (STF), de que
“isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser
livremente suprimidas” (processo nº 5007599-40.2024.4.03.0000).
A procuradora-chefe da defesa na Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional
da 3ª Região (PRFN-3), Camila Castanheira Mattar, afirma que o
posicionamento de poder revogar isenções não onerosas já ocorreu em outros
casos, como revogação de benefício de IPI. "Não há ilegalidade na MP porque
ela cumpre os requisitos do artigo 178 do CTN. Por isso, temos muita
convicção de que a União vai se consagrar vencedora nesta tese.”
O advogado Alex de Araújo Vieira, sócio do escritório Vieira & Di Ribeiro
Advogados, que defende o Sindetur, diz que vai recorrer e que a decisão do
desembargador é incoerente. “Na nossa visão, ele interpreta o artigo 178 de
forma equivocada, porque os benefícios foram dados por prazo certo e não
podem ser retirados”, afirma. “Faltou respeitar o direito das empresas de não
serem pegas de surpresa com a revogação dois anos e meio antes do final do
programa.”
A MP observou a anterioridade nonagesimal e começaria a valer neste mês. Mas
o presidente do Congresso Nacional, o senador Rodrigo Pacheco, prorrogou
os efeitos da medida por mais 60 dias. Há ainda um projeto de lei enviado pelo
governo após mobilizações do setor para manter o Perse apenas para alguns
setores e categorias.
Além de revogar o Perse, a MP 1.202 limitou as compensações fiscais e
reonerou gradativamente a folha salarial. Com a revogação dos benefícios,
haveria um impacto positivo para o caixa do governo em 2024 de R$ 6 bilhões,
de acordo com estimativas da Receita Federal inseridas na exposição de motivos
da MP. A legalidade da medida provisória está em discussão no Supremo
Tribunal Federal (ADI 7587).